Artigos | Postado no dia: 19 dezembro, 2024

A VALIDAÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO MARCO REGULATÓRIO DAS ZPEs PELA ADI Nº 7174

As Zonas de Processamento de Exportação 

As Zonas de Processamento de Exportação (as chamadas “ZPEs”) são áreas definidas pelo Governo Federal para receberem incentivos tributários, cambiais e administrativos, gozando de diversos benefícios elencados na Lei nº 11.508/2007. 

Dentre esses incentivos relacionados pela legislação federal às ZPEs, alguns dos mais relevantes são os benefícios tributários que envolvem a suspensão de determinados tributos sobre a importação ou aquisição no mercado interno de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos para composição do ativo imobilizado. 

Além disso, a legislação estipula a suspensão de tributos federais também nas importações e aquisições no mercado interno de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem a serem utilizados no processo produtivo das empresas autorizadas a operar em ZPE. 

Esses dois benefícios tributários materializam um grande incentivo financeiro para que as empresas sejam atraídas para se instalar e operar nas ZPEs, facilitando tanto sua instalação quanto sua operação, pois a suspensão se converte em alíquota zero depois de cumpridas determinadas condições. 

Em decorrência desse diferencial competitivo incentivado, a Lei nº 11.508/2007 estipulava que as empresas autorizadas a operar em ZPEs deveriam firmar um “compromisso exportador”, fixando que, no mínimo, 80% de sua receita bruta deveria ser oriunda de exportações, enquanto 20% da receita poderia ser proveniente do mercado interno (quando deveriam ser recolhidos os tributos suspensos). 

Com isso, a intenção do Governo Federal era evitar que as empresas instaladas em ZPE utilizassem todo o incentivo e passassem a vender unicamente para o mercado interno com a suspensão de diversos tributos federais, bem como incentivar a exportação de produtos industrializados. Ou seja, as empresas autorizadas a operar em ZPEs até poderiam vender para o mercado interno com o recolhimento de tributos, mas com restrição de 20% de sua receita bruta total. 

A pandemia da Covid-19 e o Marco Legal das ZPEs 

Entretanto, em 2021, o mundo inteiro passou por uma crise em decorrência da pandemia da Covid-19, o que resultou em uma demanda também sem precedentes por oxigênio no Brasil. O grande problema foi que a maior empresa com capacidade de produção e fornecimento de oxigênio no Brasil está situada dentro da ZPE/Ceará (a primeira ZPE do Brasil em operação), com o impedimento legal de destinar mais de 20% de suas vendas ao mercado interno. 

Por conta disso, foi necessária a edição da Medida Provisória nº 1.033/2021 que adicionou um artigo específico na legislação das ZPEs para prever que o “compromisso exportador” não seria considerado, no ano de 2021, especificamente para empresa que comercializasse oxigênio medicinal. Foi uma medida específica e voltada para a crise pela qual o Brasil passava na época. 

No decorrer do processo legislativo de conversão em lei da Medida Provisória nº 1.033/2021, foram incluídos diversos outros dispositivos para modernizar o tratamento legal incentivado das ZPEs, seguindo os modelos dessas free trade zones no restante do mundo. 

Em decorrência disso, a referida Medida Provisória foi convertida na Lei nº 14.184/2021 (que alterou a Lei nº 11.508/2007) e passou a ser conhecida como o “Marco Legal das ZPEs”, pois incluiu e alterou regras importantes como: 

  • O fim do “compromisso exportador”, podendo as empresas autorizadas a operarem em ZPEs a vender sem restrições ao mercado interno (com o requisito de que todos os tributos fossem pagos); 
  • A instalação de prestadores de serviços na zona beneficiada (com ou sem os benefícios tributários da referida legislação – sempre no interesse das ZPEs); 
  • A proposta de criação de ZPEs por empresas privadas e não mais unicamente por iniciativa do Poder Público; e 
  • A previsão legal de alguns poderes/atribuições do Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (“CZPE”), órgão de importância crucial para o desenvolvimento dessas zonas. 

Ajuizamento da ADI nº 7174 pelo Republicanos 

Apesar dessa evolução legislativa para acompanhar o restante do mundo e fortalecer o comércio exterior, tais alterações geraram o ajuizamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (“ADI”) nº 7174 pelo Partido dos Republicanos, argumentando que tais alterações seriam inconstitucionais por, principalmente, desequilibrar a concorrência nacional por empresas instaladas na ZPE (que não teriam mais que firmar o mencionado “compromisso exportador” e vender para o mercado interno). 

Essa ADI ajuizada pelos Republicanos colocou as empresas que operam em ZPE em alerta máximo sobre o risco de a ação ser julgada procedente e haver a volta do “compromisso exportador”. Com isso, estava no crivo do STF a decisão se as ZPEs evoluiriam (ou não) com o restante do mundo e como ficariam todas as operações realizadas nessas zonas e destinadas ao mercado interno albergadas pela dita Medida Provisória convertida na nova lei. 

Importante destacar que estamos falando de grandes empresas instaladas na ZPE/Ceará (a primeira e mais desenvolvida zona de exportação no Brasil) como: AercelorMittal Pecém, White Martins, Phoenix do Pecém e o mais recente projeto da Fortescue Future Industries para a produção de hidrogênio de baixo carbono (o “hidrogênio verde”). 

Esse julgamento poderia decidir: a extinção (ou não) das ZPEs no Brasil; o enfraquecimento ou fortalecimento de uma parcela importante da economia cearense; a continuação de atividades empresariais relevantes ao Brasil, e o desenvolvimento (ou não) de investimentos em comércio exterior. 

A reviravolta no julgamento da ADI pelo Supremo 

E esse cenário foi desfavorável no início do julgamento da ADI nº 7174, em julho de 2024, com um voto proferido pelo Min. Nunes Marques (relator), que julgava inconstitucionais as disposições do Marco Legal das ZPEs. 

A esperança em um julgamento favorável ressurgiu com o pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes, logo após o voto do relator, o que possibilitou um trabalho intenso pelos amici curiae e demais interessados no processo, destacando-se a Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (“ABRAZPE”). 

Em 02/12/2024, foi disponibilizada formalmente a decisão de modificação do voto do Min. Nunes Marques para declarar a constitucionalidade do Marco Legal das ZPEs, seguido do voto vista também favorável do Min. Alexandre de Moraes a respeito do tema. 

Nos votos dos Ministros foram destacados dois pontos principais: (i) que as modificações posteriores na Medida Provisória nº 1.033/2021, e que resultaram no Marco Legal das ZPEs, tiveram pertinência temática com o tema; e que (ii) as alterações não impactaram a concorrência com outras empresas nacionais, pois as empresas autorizadas a se instalar em ZPEs também devem arcar normalmente com o recolhimento de tributos, caso vendam ao mercado nacional. 

A primeira conclusão se deu por uma análise específica de outras medidas provisórias convertidas em lei e da jurisprudência histórica do STF, levando o Min. Nunes Marques a concluir que a evolução das regras das ZPEs tem relação direta com a previsão inicial unicamente para a venda de oxigênio medicinal no mercado interno. Isto é, o tema não foi alterado, não havendo inconstitucionalidade e total pertinência temática entre o texto inicial da MP e suas alterações. 

A segunda conclusão foi ainda mais importante para que o STF pudesse expressamente manifestar seu entendimento sobre a importância das ZPEs para o desenvolvimento do comércio exterior brasileiro, de modo que o Marco Legal adequa o Brasil às regras e incentivos já utilizados há muito pelo restante do mundo. 

O julgamento foi um ponto de exclamação para a intenção do Brasil (amparada pela sua Suprema Corte) no desenvolvimento dessa zona tão importante, possibilitando a criação e o fortalecimento desse tipo de área incentivada que tem o poder de impulsionar cada vez mais a economia nacional. 

Tal julgamento se alinha ainda às perspectivas favoráveis da reforma tributária para as ZPEs, pelo fato de que sua manutenção foi amparada pelo próprio texto constitucional e as regras do Marco Legal das ZPEs foram incorporadas ao PLP nº 68/2024 (regulamentação do IBS/CBS) a ser aprovado pelo Congresso Nacional. 

A equipe tributária do APSV Advogados se orgulha por ter contribuído com a instalação da ZPE/Ceará e de diversas de suas empresas em operação, de modo que o julgamento da ADI nº 7174 pelo STF, aliado à previsão das ZPEs na regulamentação da reforma tributária, apenas contribui e fortalece o regime de ZPEs por todo o Brasil.