Artigos | Postado no dia: 17 abril, 2025
Atualizações na Política Nacional de Biocombustíveis: Novas diretrizes do RenovaBio, ampliação das penalidades e debates sobre equilíbrio regulatório entre os agentes da cadeia energética.

Em 10 de março de 2025, o Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou a edição iminente de um decreto para regulamentar a Lei nº 15.082/2024, sancionada em 30 de dezembro de 2024, que trouxe importantes atualizações à estrutura normativa da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). A norma introduziu diversas inovações no funcionamento do programa, incluindo novas definições para agentes econômicos, aperfeiçoamento das obrigações relativas aos Créditos de Descarbonização (CBIOs) e endurecimento das penalidades aplicáveis.
Entre as principais inovações legislativas, destaca-se o reconhecimento formal dos produtores independentes de biomassa, como culturas agrícolas destinadas à produção de biocombustíveis, e a regulamentação específica da atividade dos extratores de óleos vegetais. A lei também consolidou a definição da biomassa como recurso renovável de origem vegetal ou animal, delimitando com maior clareza o enquadramento regulatório desses agentes.
Outra novidade relevante diz respeito à estrutura financeira do RenovaBio, com a previsão expressa da repartição da receita gerada pelos CBIOs. A legislação estabeleceu que, no caso dos produtores de cana-de-açúcar, 60% do valor arrecadado com a venda dos créditos será destinado aos produtores, podendo alcançar até 85% mediante fornecimento de dados que elevem a nota de eficiência energético-ambiental. Também foi regulamentado o prazo para pagamento desses valores, devendo ocorrer até o mês subsequente ao término da safra, sob pena de suspensão da emissão de novos CBIOs.
Quanto às obrigações das distribuidoras de combustíveis, a lei reafirmou a exigência de comprovação da aposentadoria dos CBIOs até 31 de dezembro de cada exercício, criando penalidades mais severas para o não cumprimento da meta anual de descarbonização. As sanções previstas incluem multas proporcionais à quantidade de CBIOs não adquiridos, que podem variar entre R$ 100 mil e R$ 500 milhões, bem como a proibição de comercialização de combustíveis até a regularização da situação. Caso o descumprimento persista por mais de um ano consecutivo, a distribuidora poderá ter sua autorização de funcionamento revogada.
Essas alterações legislativas coexistem, entretanto, com críticas significativas à configuração atual do RenovaBio. Um dos principais pontos de controvérsia refere-se à concentração da obrigação de aquisição dos CBIOs nas distribuidoras de combustíveis fósseis, sem que haja obrigatoriedade de oferta pelos emissores primários — produtores ou importadores de biocombustíveis. Tal circunstância foi questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7596, proposta pelo Partido Renovação Democrática (PRD), que argumenta que a norma impõe obrigações desproporcionais e não observou critérios equitativos na distribuição das responsabilidades ambientais entre os diversos agentes da cadeia produtiva.
Adicionalmente, observa-se que o modelo atual de regulação adota a aquisição dos CBIOs como única forma de compensação das emissões de gases de efeito estufa (GEEs), sem oferta de alternativas para o cumprimento das metas ambientais. Essa estrutura tem sido apontada como uma forma de intromissão na auto-organização empresarial e na liberdade de contratação dos agentes do setor.
Cabe mencionar, ainda, que não há compulsoriedade na oferta de CBIOs pelos emissores primários. Assim, no início de 2025, o mercado de CBIOs registrou superávit expressivo, conforme dados da consultoria Datagro. Até fevereiro, foram gerados 23,7 milhões de créditos, correspondendo a 46,4% da meta anual de 2025, estimada em 50,85 milhões de unidades. A oferta abundante impactou os preços de mercado dos CBIOs, que apresentaram queda de 27,2% em relação ao início de 2024, evidenciando que a dinâmica de oferta e demanda ainda enfrenta desafios de equilíbrio, o que acentua a vulnerabilidade das distribuidoras frente às oscilações do mercado e eleva o risco de descumprimento involuntário das metas.
Em paralelo, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2798/2024, com respaldo entre entidades como a Federação Brasilcom, que propõe a transferência da obrigação de aquisição dos CBIOs das distribuidoras para as refinarias e importadores de combustíveis, agentes que figuram no início da cadeia de derivados de petróleo. A proposta visa reequilibrar a carga regulatória e facilitar a fiscalização, concentrando a obrigação em menos operadores, embora haja divergências sobre os efeitos econômicos dessa mudança, como alertado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Considerando as discussões em curso e os pontos de tensão já evidenciados na configuração atual do RenovaBio, as atenções se voltam para os próximos atos normativos, em especial o decreto anunciado pelo MME, que terá papel relevante não apenas na consolidação das inovações introduzidas pela Lei nº 15.082/2024, mas também na condução das expectativas quanto à evolução da política. Há uma expectativa natural de que, ao regulamentar a matéria, o governo avalie de forma mais ampla as problemáticas já apontadas — como a concentração das obrigações nas distribuidoras, as incertezas sobre a oferta de CBIOs e a eficiência do programa na redução das emissões —, contribuindo para o aprimoramento do RenovaBio enquanto instrumento eficaz na transição energética e no fortalecimento sustentável da cadeia de biocombustíveis no país.
Autora: Emília Doroteu, estagiária do setor ESG
Coautor: Rômulo Alexandre, sócio fundador e coordenador do setor ESG.